por Julieta El-Khouri
Um sonho de liberdade de muitos brasileiros é um comportamento absolutamente natural em Berkeley, Califórnia. A maconha nesse estado é tratada como remédio e o preço cobrado pelo grama é bem salgado: U$ 70,00
Na descriminalização, o País aposta em arrecadação de impostos e menor risco para os usuários. Mas como em toda situação nova, há os excessos, que as autoridades prometem detectar e combater.
Na descriminalização, o País aposta em arrecadação de impostos e menor risco para os usuários. Mas como em toda situação nova, há os excessos, que as autoridades prometem detectar e combater.
Cultura - Carta Capital
Willian Vieira
Americana
03.07.2012 09:57
Vende-se maconha
No quintal da simpática casa no subúrbio de Berkeley, a fogueira aguarda os convidados para o jantar, com o sol a se pôr entre os caramanchões de jasmim. Mas o perfume que toma o ambiente, doce como abacaxi maduro, não vem das plantas floridas, e sim de outra, mais controversa, a queimar devagar no cachimbo do anfitrião: presente, diz ele, de um amigo com acesso à erva, graças às democráticas leis do estado da Califórnia. A maconha em questão é legal, ao menos para o detentor da receita, obtida sob a alegação de que o remédio mitiga dores do corpo e da alma, redenção além da compreensão humana. “Meu amigo tem o cartão e compra no dispensário. É de primeira qualidade”, garante sorridente com o tratamento dispensado aos convivas. “É remédio.”
Assim se explicam as cinco páginas da revista de cultura gratuita mais famosa da Califórnia, a LA Weekly, preenchidas por 31 anúncios sobre maconha. Sejam lojas que vendem o produto, sejam clínicas a oferecer receitas na hora, cada vez mais tais propagandas ganham as publicações, reflexo da explosão das centenas de “dispensários” abertos na Califórnia e outros 16 estados que permitem a produção, comercialização e, por que não, o consumo de maconha medicinal.
Uma análise dos anúncios dá vida à situação tanto quanto testemunhos, fontes policiais ou os números oficiais. No vocabulário da maconha legal, a compra chama-se “doação”. Muitos dispensários são ONGs genuínas, mas outros estão mais interessados no dinheiro verde. A erva aqui é “medicamento”, o que enquadra o uso na lei e atrai tanto os doentes quanto os sãos. O peso vem em variáveis de oitavo de onça (3,5 gramas), dado o preço de até 70 dólares o grama, o que explica as promoções e os “baseados de graça para novatos”. Como desconto sempre é bom, boa parte deles tem as bordas pontilhadas: cupons.
Há os anúncios com aspecto médico, os com jeito mais hippie e aqueles com cara de farra mesmo, dirigidos não só às pessoas “seriamente doentes” descritas no Ato do Uso Compassivo, de 1996, mas aos interessados em consumir maconha de laboratório num ambiente cool. “Atmosfera amigável” e “seguro, discreto e confiável” são descrições comuns, assim como “descontos por indicações”. Traga um amigo e fume de graça, é o que o anúncio diz. A maioria traz o símbolo do acesso a cadeirantes, a bandeira arco-íris, a sigla ATM (caixa eletrônico) e bandeiras de cartão de crédito, além de sugestivos detalhes. Um deles traz descritas 19 variedades da erva, como “sugar daddy” e “sex original gangster”, com o preço ao lado – até 290 dólares por 30 gramas. Para todos os gostos e intenções.
“Mais Verde, O Outro Lado. Grande abertura. Sacolas de brinde e comidas de graça. 10% de desconto para pacientes terminais e veteranos de guerra. Mínimo de 10 dólares de doação”, diz o anúncio de 7 x 11 centímetros (com uma folha de maconha e o símbolo grego da saúde no meio) de um dispensário novo, disposto a conquistar clientes. “Happy hour todo dia das 15 às 19 horas”, diz outro, com foco no convívio social. “Baseados de graça aos domingos. Compre 10 gramas, ganhe 3. Descontos para deficientes e idosos.” Um minitratado sobre o apelo econômico em tempos de crise.
Outros públicos, outras demandas, reza o capitalismo. “Ganhe uma porção de cera (de maconha), dois baseados enrolados, mais isqueiro, por uma doação de 10 dólares. Desconto para universitários.” Universitários doentes? Nem sempre. Uma dor nas costas serve para obter maconha desenvolvida em laboratório sem problemas com a polícia. Que o diga o anúncio a seguir. “Melhor preço para consultas. Grande abertura com promoções. Duas receitas por 32 dólares cada. Verificação 24 horas pela internet ou telefone. 100% confidencial. Batemos qualquer preço. Médicos irão ao tribunal por você à nossa custa. Indique uma pessoa e ganhe o cartão de graça.”
Na terra da liberdade individual, bem no seio do movimento hippie e das corridas ao ouro, tais pedacinhos de papel anunciam um novo movimento, a surgir como uma apocalíptica resposta à maior crise desde 1929: a “corrida verde”. O mercado de maconha legal nos Estados Unidos responde por 1,7 bilhão de dólares, segundo análise do think tank See Change Strategy, e deve chegar a 9 bilhões em 2016. Pela via do pragmatismo, o país caminha para o que os defensores da legalização dizem ser o futuro: arrecadação de impostos, menor risco para o usuário e, segundo um estudo da Universidade de Los Angeles, sem aumento do crime. Como os dispensários criam empregos, pagam taxas, movimentam a economia e, de quebra, amenizam as dores alheias, poucos estados se dão ao luxo de olhar os dentes do cavalo em plena crise, ainda que os vizinhos das lojas torçam o nariz. Foi com aumento nas taxas do ramo que o Oregon cobriu um rombo de 6,7 milhões de dólares nas contas. O Maine alterou sua legislação para taxar a maconha com 5% de imposto sobre vendas – exceto os cookies, que pagam a taxa de comida, 7%.
Materialização gráfica do fenômeno econômico, os anúncios escancaram o borbulhar do novo negócio. De tão sofisticado, o ramo ganhou até uma agência de propaganda só para clientes do mundo da maconha. O “único foco” da Grow-room, no Colorado, é “alavancar nossa comprovada habilidade de criar marcas de maconha medicinal com nossa clientela estrategicamente selecionada.” O anúncio é certeiro. “O dono de um negócio de maconha medicinal tem uma série de decisões a tomar. Estamos aqui para facilitar algumas delas.”
O problema é que, mesmo que alguns estados permitam a venda sob condições, as leis federais proíbem qualquer anúncio de drogas ilegais. No fim do ano passado, os agentes promoveram batidas em dispensários. O próximo golpe recairá sobre os anúncios, informou uma promotora. Até lá, a mídia lucra. O Sacramento News & Review publicou até um especial com mais de cem dispensários e clínicas, as “Páginas Verdes”. Se as empresas de cigarro não podem anunciar, as lojas de maconha podem. “Eu não vejo como o News & Review publicar anúncio de maconha medicinal é diferente de tevês passando comerciais de empresas farmacêuticas vendendo drogas”, defendeu-se, logicamente, o dono da publicação. Pois maconha, aqui, é remédio
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