Já há muito tempo venho conversando sobre essa questão.
O problema nos morros cariocas tornou-se crônico.
É uma pobreza avassaladora com ausência, quase que absoluta, de políticas públicas em todos os segmentos, principalmente saúde, educação e segurança. Nasci em Del Castilho e convivi durante décadas com a comunidade do morro vizinho: Complexo do Alemão.
Qualquer insinuação de que alguma favela foi pacificada é MENTIRA! É um problema recorrente: tentam mascarar a violência com a ausência de policiamento, mas, na verdade, a população “favelada” é absolutamente carente. Falta tudo, e entre os bens mais necessários estão: planejamento familiar para promover o controle da natalidade; instalação de postos de saúde (com CONTRATAÇÃO DE MÉDICOS E ENFERMEIROS) e distribuição de remédios, preservativos, entre outros; urbanização com instalação de saneamento básico, calçamentos.
E, nesse emaranhado de problemas, você acha que o que está faltando são UPP’s? Isso é um grande engodo! Faltam, na realidade, todos os itens que serviram de bandeiras, durante décadas, para as plataformas de governo do PT e agora alimentam as mentiras do Governo Cabral: redistribuição de renda, criação de empregos, respeito ao cidadão. Constate você mesmo.
Discurso do PT, de 1989:
“5. O favelado é um cidadão integrado à sociedade através de suas relações de trabalho, dos impostos indiretos que paga e da participação política. Não se justifica nenhum tratamento discriminatório, nem mesmo aquele que se expressa através de ‘programas especiais’, frequentemente anunciados com ênfase inversamente proporcional à sua eficácia, duração e seriedade. Um programa de obras de urbanização de favelas não deve se revestir de caráter excepcional e episódico. Cabe articular ações do governo em todos os níveis, dentro de um planejamento de médio e longo prazos, que permita assegurar a todos o acesso à infra-estrutura e aos serviços urbanos essenciais.” (Revista Brasil Urgente, Lula Presidente – Questão Urbana, Medidas de Governo, pag.23, out/1989)
Você acha que o programa social bolsa-família, no valor de R$ 130,00 (por família) é diretamente proporcional às necessidades básicas de uma família? É eficaz e sério?
E as ações do governo para permitir o acesso a todos... Todos, quem? Os parceiros nas maracutaias, não é? Só pode ser!
Falta vontade política para querer resolver o problema e muita VERGONHA NA CARA!
Saúde
Carta Capital
Drauzio Varella
07.04.2012 17:43
A perpetuação da pobreza
Por Drauzio Varella
As periferias das cidades brasileiras parecem umas com as outras: casas sem reboco, grades de segurança, fios elétricos emaranhados, vira-latas e criançada na rua. Há 13 anos faço programas de saúde para a televisão. Procuro gravá-los nos bairros mais distantes, por uma razão óbvia: lá vivem os que mais precisam de informações médicas.
Rocinha, a maior favela do País. Foto: Fábio Motta/AE
Esta semana, como parte de uma série sobre primeiros socorros, gravamos a história de um menino de 2 anos que abriu sozinho a porta do forno, subiu nela e puxou do fogo o cabo de uma panela cheia de água fervente. A queimadura foi grave, passou duas semanas internado no hospital do Tatuapé, em São Paulo. Situada na periferia de Itaquera, a casa ocupava a parte superior de uma construção de dois andares. Subi por uma escada metálica inclinada e com degraus tão estreitos, que precisei fazê-lo com os pés virados de lado.
A porta de entrada dava numa cozinha com o fogão, a geladeira, as prateleiras com as panelas e uma pequena mesa. Um batente sem porta separava-a do único quarto, em que havia dois beliches, um guarda-roupa e uma divisória de compensado que não chegava até o teto, atrás da qual ficava a cama em que dormiam o pai e a mãe.
Nesse espaço exíguo viviam dez pessoas: o casal, seis filhos e dois netos. Os filhos formavam uma escadinha de 2 a 17 anos; os netos eram filhos das duas mais velhas, que engravidaram solteiras. O único salário vinha do pai, pedreiro. Por falta de pagamento, a luz tinha sido cortada há dois meses, os 300 reais da dívida a família não sabia de onde tirar.
No fim da gravação perguntei à mãe, uma mulher de 38 anos que pareciam 60, por que tantas crianças. Disse que o marido não gostava de camisinha, e que a existência dos netos não fora planejada, porque “essas meninas de hoje não têm juízo”.
Na periferia do Recife, de Manaus, de Cuiabá ou Porto Alegre a realidade é a mesma: a menina engravida em idade de brincar com boneca, para de estudar para cuidar do bebê que já nasce com o futuro comprometido pelo despreparo da mãe, pelas dificuldades financeiras dos avós que o acolherão e pelos recursos que terá de dividir com os irmãos.
Na penitenciária feminina, quando encontro uma presa de 25 anos sem filhos, tenho certeza de que é infértil ou gay. Não são raras as que chegam aos 30 anos com seis ou sete. Não fosse o tráfico, que alternativa teriam para sustentar as crianças?
Já escrevi mais de uma vez que a falta de acesso aos métodos de controle da fertilidade é uma das raízes da violência urbana, enfermidade que atinge todas as classes, mas que se torna epidêmica quando se dissemina entre os mais desfavorecidos. Essa afirmação causa desagrado profundo em alguns sociólogos e demógrafos, que a acusam de forma leviana por não se basear em estudos científicos. Afirmam que a taxa de natalidade brasileira já está abaixo dos níveis de reposição populacional.
É verdade, mas não é preciso pós-graduação em Harvard para saber que as médias podem ser enganosas. Enquanto uma mulher com nível universitário tem em média 1,1 filho, a analfabeta tem mais de 4. Enquanto 11% dos bebês nascem nas classes A e B, quase 50% vêm da classe E, com renda per capita mensal inferior a 75 reais.
De minha parte, acho que faz muita falta aos teóricos o contato com a realidade. Há necessidade de inquéritos epidemiológicos para demonstrar que os cinco filhos que uma mulher de 25 anos teve com vários companheiros pobres como ela, correm mais risco de envolvimento com os bandidos da vizinhança do que o filho único de pais que cursaram a universidade? Convido-os a sair do ar condicionado para visitar um bairro periférico de qualquer capital num dia de semana, para ver quantos adolescentes sem ocupação perambulam pelas ruas. Que futuro terão?
A falta de acesso ao planejamento familiar é a mais odiosa de todas as violências que a sociedade brasileira comete contra a mulher pobre.
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