O MPF em Dourados, Mato Grosso do Sul, resolveu se mexer: ajuizou ação em que pede a permanência dos índios guarani-kaiowá na reserva. Eles ocupam 2 hectares de terra em uma fazenda que possui 762 hectares ao todo.
Segundo a FUNAI, os ancentrais dessas etnias estão lá desde 1915.
Os índios têm sofrido todo tipo de violência e, a principal delas é o confinamento, a falta de espaço para continuarem assentados em suas terras. Para eles a terra é sagrada: é o local onde estão enterrados seus antepassados.
Acompanhe.
MPF ajuíza recurso para que índios permaneçam em Pyelito Kue
Indígenas falam em morte coletiva se reintegração de posse da
área ocupada for cumprida
25/10/2012
do MPF/MS
O Ministério Público Federal (MPF) em Dourados ajuizou recurso
no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) em face da ordem de
reintegração de posse da fazenda Cambará, em Iguatemi, sul de Mato Grosso do
Sul, emitida pela Justiça Federal de Naviraí. O MPF pede a reforma da decisão
que determinou a saída dos índios ou, ao menos, a permanência da comunidade
indígena na área ocupada até que sejam concluídos os estudos antropológicos
aptos a determinarem a tradicionalidade da ocupação.
Indígena atravessa o rio para chegar à área ocupada - Foto: MPF/MS |
Os indígenas ocupam 2 hectares da fazenda, que possui 762
hectares, desde 29 de novembro de 2011. A área ocupada faz parte da reserva de
mata nativa, que não pode ser explorada economicamente. Eles foram para esta
área depois de um ataque ocorrido em 23 de agosto de 2011, quando pistoleiros
armados investiram contra o grupo, ferindo crianças e idosos e destruindo o
acampamento, montado à beira de uma estrada vicinal. Para chegar ao local, os
indígenas arriscam-se na travessia de um rio. São 50 metros entre as margens,
dois metros de profundidade e forte correnteza, vencidos por mulheres, idosos e
crianças através de um fio de arame.
O recurso foi ajuizado em 16 de outubro, mas ainda não foi
julgado. O MPF argumenta que a decisão de 1ª instância não levou em consideração
a ocupação tradicional pelos indígenas da área em disputa. De fato, a sentença
que determinou a reintegração de posse, de 17 de setembro, afirma que “perde
qualquer relevância para o deslinde da controvérsia saber se as terras em
litígio são ou foram tradicionalmente ocupadas pelos índios ou se o título
dominial do autor é ou foi formado de maneira ilegítima”. Para a Justiça, o que
importa é que no dia 28 de novembro de 2011, a posse da área era do
fazendeiro.
Estudo antropológico já finalizado
Nota técnica da Fundação Nacional do Índio (Funai) publicada em
março deste ano concluiu que a área reivindicada pelos indígenas como Pyelito
Kue e Mbarakay é ocupada desde tempos ancestrais pelas etnias guarani e kaiowá.
“Desde o ano de 1915, quando foi instituída a primeira Terra Indígena , ou seja,
a de Amambai, até os anos de 1980 – com forte ênfase na década de 1970 –, o que
se assistiu no Mato Grosso do Sul foi um processo de expropriação de terras de
ocupação indígena, em favor de sua titulação privada”.
Para o Ministério Público Federal “afastar a discussão da
ocupação tradicional da área em litígio equivale a perpetuar flagrante injustiça
cometida contra os indígenas em três fases distintas e sucessivas no tempo. Uma
quando se lhes usurpam as terras; outra quando o Estado não providencia, ou
demora fazê-lo, ou faz de forma deficiente a revisão dos limites de sua área e
quando o Estado-Juiz lhes impede de invocar e demonstrar seu direito ancestral
sobre as terras, valendo-se justamente da inércia do próprio Estado”.
O Ministério Público Federal - órgão constitucionalmente
responsável pela defesa dos interesses dos povos indígenas - atua em 141
processos que envolvem as etnia guarani e kaiowá . São ações relativas à
demarcação de terras, a danos morais coletivos, crimes contra a vida, racismo e
até genocídio. As ações judiciais tramitam na Justiça Federal de Dourados,
Naviraí e Ponta Porã.
Apesar dos processos, poucos avanços efetivos foram alcançados.
Nos últimos dez anos, apenas dois mil hectares de terras indígenas foram
ocupadas integralmente pelos guarani e kaiowá. Das terras indígenas ocupadas-
Panambizinho e Sucuri'y- apenas a última foi definitivamente julgada em primeira
instância.
Os muitos tipos de violência
Indígena
ferida durante ao ataque de pistoleiros contra acampamento feito
à beira de
estrada vicinal em agosto de 2011 - Foto:
MPF/MS
|
Em Mato Grosso do Sul, a violência contra os índios guarani
acontece de múltiplas formas. Além de ataques às comunidades, com barracos
queimados e indígenas feridos, mortos ou desaparecidos, há o preconceito, o
racismo, a falta de condições mínimas de sobrevivência, atropelamentos,
suicídios, homicídios e desnutrição.
São várias as formas de agressão, mas uma só origem: o
confinamento, a falta de terra. Para os índios, terra não se traduz em
propriedade, mas em identificação. Segundo carta escrita pelos guarani e kaiowá
de Pyelito Kue, o tekoha - terra sagrada - é vida e tradição, o local onde estão
enterrados seus antepassados.
Os guarani e kaiowá representam o segundo maior agrupamento
indígena do Brasil. São 44 mil índios espalhados pelo sul de Mato Grosso do Sul.
Mesmo numerosos, eles ocupam pouco mais de 30 mil hectares no estado - o que
corresponde a 0,1% do território sul-mato-grossense. Só na Reserva de Dourados
são 12 mil índios em 3,6 mil hectares.
A situação de confinamento impossibilita aos índios a
reprodução da vida social, econômica e cultural. E tal condição é agravada pela
precariedade das áreas ocupadas. As comunidades vivem em pequenos espaços
localizados em fazendas ou na beira de estradas – locais que não comportam a
efetivação adequada da cultura de subsistência.
Extinção
A carta da comunidade guarani e kaiowá de Pyelito Kue não faz
menção a suicídio coletivo, mas afirma o propósito de resistência dos índios, de
não abandono de suas terras tradicionais. Mesmo diante de tantas violências,
eles estão dispostos a morrer juntos pelo seu tekoha. A carta representa um
clamor por reconhecimento e um alerta à sociedade brasileira para a lenta e
gradual extinção dos guarani e kaiowá. Extinção essa, representada em
números.
Segundo dados do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a
cada seis dias, um jovem guarani e kaiowá se suicida. Nos últimos 32 anos, foram
1.500 mortes. Essas informações são reforçadas pelo Mapa da Violência do Brasil,
publicado em 2011 pelo IBGE. Segundo o documento, acontecem 34 vezes mais
suicídios indígenas em Mato Grosso do Sul que a média nacional. Desde 2000,
foram 555 suicídios, 98% deles por enforcamento, 70% cometidos por homens. A
maioria deles na faixa dos 15 aos 29 anos.
A taxa de mortalidade infantil entre a etnia guarani e kaiowá é
de 38 para cada mil nascidos vivos, enquanto a média nacional é de 25 mortes por
mil nascimentos. Já a taxa de assassinatos - cem por cem mil habitantes – é
quatro vezes maior que a média nacional. A média mundial é de 8,8.
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