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Palestina torna-se estado-membro da ONU mesmo com resistência dos EUA
Postado em: 29 nov 2012 às 22:57
A elevação do status da Palestina tem resistência dos EUA e divide os países europeus. França, Espanha, Portugal, Áustria, Suíça, Irlanda, Dinamarca e Noruega já manifestaram apoio à iniciativa. O Brasil também apoiou a iniciativa palestina. A Alemanha disse que irá se opor
A Assembleia Geral das Nações Unidas elevou o status da Palestina para “Estado observador não membro”. Para especialista, palestinos moderados do Fatah optaram pela única via que lhes restava. A Assembleia Geral das Nações Unidas votou nesta quinta-feira, em Nova York, a resolução para elevar o status da Palestina a Estado observador não membro, implicando um reconhecimento da Palestina como Estado. A vitória dos palestinos é um avanço, para a maioria dos analistas.
– Uma vitória política para os palestinos e uma derrota para Jerusalém – disse o cientista político Yossi Mekelberg, do Instituto de Pesquisas Chatham House, de Londres, poucas horas antes da votação.
A grande maioria dos Estados-membros, incluindo potências europeias como a França, apoiam a resolução encaminhada pelos palestinos em setembro do ano passado, e a resolução precisou apenas de uma maioria simples para ser aprovada. A Palestina passa, agora, ao status de Estado observador não membro das Nações Unidas, da mesma forma que o Vaticano.
Pouco antes da aprovação, a pressão internacional sobre os palestinos crescia. Ainda na manhã desta quarta-feira, diplomatas dos Estados Unidos e do Reino Unido se reuniram com o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, para tentar convencê-lo a retirar a resolução na última hora. Eles argumentavam que o passo unilateral fere acordos assinados pelos palestinos. Abbas, no entanto, descartou o pedido.
No curto prazo, a votação não deverá mudar a situação política entre israelenses e palestinos, avaliou Mekelberg. Mas é bem possível, acresceu o cientista, que o status de observador seja logo seguido pela condição de membro pleno. Pois se os Estados Unidos não tivessem bloqueado esse pedido no Conselho de Segurança, os palestinos já seriam há muito tempo membros da ONU.
– A maior parte da comunidade internacional não conseguia entender por que os palestinos, que afinal de contas governam uma Cisjordânia independente, não podem obter, ao menos, o status de observador – opinou Mekelberg.
Assentamentos israelense
Tal status é justamente o que espera o moderado Fatah, que governa a Cisjordânia.
– Com nosso pedido, tentamos salvar a solução de dois Estados – disse Xavier Abu Eid, um porta-voz da equipe de negociação palestina, à agência alemã de notícias Deutsche Welle. Segundo ele, o reconhecimento pela ONU é um sinal claro de que “nosso país é um Estado sob ocupação”, numa referência à política de assentamentos de Israel.
Israel continua a construir assentamentos na Cisjordânia. Esse é o maior obstáculo para novas negociações de paz, disse Mekelberg. Ele afirmou não acreditar que o reconhecimento ponha um fim ao impasse:
– O argumento dos israelenses é: enquanto os palestinos tomarem passos diplomáticos de forma unilateral, os israelenses irão criar fatos, continuando a construir assentamentos.
O porta-voz do Ministério do Exterior de Israel, Paul Hirschson, criticou o procedimento dos palestinos.
– Com a iniciativa, os palestinos violam os acordos de paz de Oslo, que prescrevem que todas as questões pendentes devem ser resolvidas através de negociações – afirmou.
Segundo ele, um passo unilateral nas Nações Unidas leva Israel a não confiar mais que os palestinos irão cumprir outros acordos. O reconhecimento teria “efeitos muito negativos” sobre as relações entre as duas partes, acresceu o porta-voz.
– Os palestinos não constroem laços, eles os destroem – criticou a autoridade israelense.
Para Mekelberg, o Fatah não tinha outra alternativa a não ser escolher o caminho de Nova York. Pois, militarmente, os palestinos são mais fracos do que Israel, e a cada ação militar israelense, os radicais do Hamas saem fortalecidos à custa do Fatah, que aposta numa solução diplomática. Assim, resta somente a via diplomática.
– Mas pela via política nada acontece, enquanto os assentamentos continuam a crescer. Por isso, o Fatah não tem opção a não ser escolher a Assembleia Geral e manter a esperança de que a comunidade internacional obrigue ambos os lados a sentar-se à mesa de negociações – opinou Mekelberg.
Se o impasse diplomático entre Israel e Palestina não chegar ao fim, é possível que “os palestinos empreendam vários atos de desespero, para que a questão palestina continue presente na agenda e mídia internacionais”, disse Mekelberg. Assim, após o reconhecimento, o Fatah poderia processar Israel perante o Tribunal Penal Internacional. Mas o Fatah teria prometido não fazê-lo enquanto a União Europeia (UE) e países como o Reino Unido e a França apoiarem a inclusão da Palestina na ONU.
– Mas a tentação talvez seja grande demais – avaliou Mekelberg. Principalmente porque os EUA e a UE estão ocupados demais com a crise econômica e os efeitos da Primavera Árabe, deixando de lado a questão palestina.
Os palestinos podem entrar com ações no Tribunal Penal Internacional, disse Hirschson, do Ministério do Exterior israelense. Mas, dessa forma, eles só estariam perdendo tempo – “e, em algum momento, poderiam eles mesmos estar sentados no banco dos réus.”
A elevação do status da Palestina divide os países europeus. Além da França, Espanha, Portugal, Áustria, Suíça, Irlanda, Dinamarca e Noruega já manifestaram apoio à iniciativa. O Brasil também apoiou a iniciativa palestina. A Alemanha disse que não aprovará a resolução. O Reino Unido indicou que vai se abster, a não ser que os palestinos deem garantias públicas sobre determinados pontos, como a retomada à mesa de negociações.
Sinos dobram
As administrações palestinas na Cisjordânia confirmaram que os sinos das igrejas badalarão por volta da meia-noite desta quinta-feira para anunciar o reconhecimento da Palestina como estado observador da ONU, informou a Organização para a Libertação da Palestina (OLP). O som dos sinos, em comemoração, serão o último dos atos populares previstos pelo governo do presidente da Autoridade Nacional Paletina, Mahmoud Abbas, após a aprovação de seu pedido à Assembleia Geral, em um dia que se tornou uma verdadeira festa por todo o território autônomo sob sua responsabilidade.
As celebrações começaram às 11h locais (7h de Brasília) com uma concentração popular ao som de música na Praça Yasser Arafat, em Ramala, com participação dos grupos palestinos Al Hanoneh e Fononiat. Ao meio-dia, dirigentes políticos do partido Fatah, presidido por Abbas, do movimento islamita Hamas e dos grupos Jihad Islâmica e Frente Popular de Libertação da Palestina (FPLP) falaram aos participantes.
Após anos de rivalidade, os grupos islamitas Hamas e Jihad apoiaram o pedido de Abbas à ONU na segunda-feira e defenderam que a aposta internacional seja baseada em perspectiva e estratégia nacionais, em benefício do conjunto dos palestinos, e não de interesses partidários. Nesse sentido, os palestinos receberam a votação, que acontecerá na Assembleia Geral por volta de meia-noite, como uma jornada de festa nacional e bandas musicais e membros dos escoteiros marcharão pelas ruas das principais cidades na Cisjordânia ao longo de todo o dia.
Brasil de Fato.com.br
O Estado da Palestina
Raphael Tsavkko Garcia
O que se pode esperar agora do processo de paz entre Israel e
Palestina após esta ter sido finalmente reconhecida como Estado não-membro
(observador) da ONU, um status semelhante ao do Vaticano?
Politicamente a vitória da Palestina é incontestável, com uma
maioria absoluta dos votos (138 favoráveis, 9 contrários e 41 abstenções) que
ajudam a apagar (ou ao menos diminuir a lembrança) a recusa do Conselho de
Segurança, em 2011, de aprovar a entrada da Palestina na ONU.
Aumenta a pressão internacional e, sem dúvida, ajuda a
reclamação palestina sobre os territórios ocupados.
Se, através de inúmeras resoluções, a ONU já reconheceu o
direito dos palestinos aos territórios que lhe forma usurpados ou estão sendo
(como Jerusalém Orienta, por exemplo), agora a coisa muda de figura. A ONU não
reconhece posse ou soberania sobre territórios conquistados por guerra, invasão
ou ocupação, mas o status indefinido da Palestina dificultava a aplicação desta
norma. Agora, não há mais desculpas e a ilegalidade das ocupações é ainda mais
flagrante.
Torna-se mais difícil para Israel sustentar a ocupação anterior
e futuras anexações do território de um Estado, e não apenas de uma entidade
política indefinida. Agora Israel não ultrapassa barreiras criadas por si, mas
ultrapassa e desrespeita fronteiras definidas pela ONU e por um Estado
soberano.
A Palestina pode, ainda, recorrer ao Tribunal Penal
Internacional e outros fóruns internacionais e buscar uma condenação de Israel
contra seus inúmeros e repetidos crimes de guerra, ainda que seus efeitos possam
ser meramente cosméticos, em uma guerra de propagandas isto conta bastante.
Outra vitória palestina foi a de impor, ao mesmo tempo, duras
derrotas a Israel e aos EUA, do prêmio Nobel da paz Barack Obama. Exceto por
Canadá e República Tcheca, apenas os costumeiros protetorados estadunidenses
ficaram ao lado de Israel, demonstrando que, ao menos neste assunto, a
influência dos EUA é limitada ou que, talvez, tenha crescido a insatisfação pela
falta de soluções propostas pelos aliados de Israel.
A abstenção do Reino Unido não foi uma surpresa, dada a
proximidade deste país com os EUA, nem o voto do Paraguai governado por
golpista. Por outro lado, a Espanha e seu voto favorável - pese a posição
contrária anterior de Mariano Rajoy - surpreende devido aos "problemas"
domésticos que enfrenta em termos de autodeterminação dos povos, um instrumento
muitas vezes esquecido ou sufocado à base da força por diversos Estados.
Foi uma pequena vitória palestina na ONU, de efeitos práticos
limitados, especialmente no que concerne a recuperação de suas terras, o Direito
de Retorno e o bloqueio criminoso a Gaza.
Ainda assim, foi uma vitória
Mas nem tudo é motivo para festa. As eleições em Israel se
aproximam (menos de dois meses) e as autoridades do país não escondem sua
insatisfação com a decisão da ONU - a qual consideram "unilateral" - e o
resultado das eleições pode ser diretamente influenciado, ampliando o poderio e
os discursos de extrema-direita e os anseios por extermínio.
A minoria palestina com cidadania israelense pode vir a sofrer
os primeiros golpes e o bloqueio pode se tornar ainda mais criminoso. Gaza, que
já é o maior campo de concentração do mundo, tende a ver a situação piorar caso
o discurso de extrema-direita se fortaleça ainda mais e prevaleça.
Mas o pior dos efeitos da decisão é
político
Fecha-se a porta para outras opções para a resolução do
conflito. Acaba-se a via do Estado único, laico, com poder compartilhado por uma
via em que teremos um Estado nuclear, governado por uma extrema-direita disposta
a todos os crimes de guerra para assegurar seu poder e movida pelo medo e ódio,
e um Estado palestino fraco, ocupado, sem exército ou possibilidade de formar
uma força digna desse nome e sem sequer fontes de renda própria, dividido em
dois e com imensas fraturas internas.
Esta situação se perpetua já a longos anos e não dá mostras de
se alterar. O Hamas acabou por ceder e apoiar o reconhecimento na ONU, mas não
por vontade própria e sim pela situação de isolamento e enfraquecimento interno
(seu governo é mal avaliado em Gaza e um de seus maiores parceiros, o sírio
Assad, ameaça cair). Aceitar uma solução de dois Estados equivale a reconhecer
Israel enquanto Estado, algo que o Hamas se recusa desde sua fundação.
O grande vencedor, porém, é Mahmoud Abbas, que detém hoje o
controle da ANP (Autoridade Nacional Palestina) e sua facção, a Fatah, que vinha
sofrendo diversos golpes de grupos de esquerda, membros da OLP (Organização pela
Libertação da Palestina), em eleições locais e junto à população.
Os EUA saem como grandes derrotados ao verem seu lobby
pró-Israel não resultar em convencimento junto aos demais Estados-membro da ONU
e também pelo esgarçamento de sua relação com Israel, que já vinha sendo objeto
de debates e desconfiança.
Enfim, entre vitoriosos e derrotados, os Palestinos conseguiram
sair de cabeça erguida e derrotaram Israel e os EUA de forma incontestável. A
retaliação pode ser imensa e dolorosa, mas para muitos o esforço foi válido.
Resta agora aguardar os desdobramentos e torcer para que as próximas eleições
israelenses sejam um marco de mudança, ainda que isto seja improvável. Na
Palestina, a esperança é a de um entendimento entre Hamas e Fatah e a
possibilidade de um acordo entre as facções para negociarem unidas o fim do
bloqueio à Gaza e as futuras campanhas de resistência e ações no âmbito
internacional possíveis com a conquista de um novo status.
Raphael Tsavkko Garcia é bacharel em Relações
Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e
mestre em comunicação pela Faculdade Cásper Líbero.
Blog do Tsavkko - The
Angry Brazilian
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